Ministros de Lula deixaram governos nos estados com recordes de desmatamento do cerrado

Bahia teve um recorde de devastação em dez anos, segundo os dados do Inpe.

Ministros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixaram as gestões de seus estados com recordes de desmatamento do cerrado em um período de oito a dez anos.

A Folha analisou os dados do Prodes (Programa de Monitoramento do Desmatamento por Satélite), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), referentes à devastação dos biomas brasileiros em sete estados cujos ex-governadores viraram ministros no governo Lula.

Em três desses estados, houve aumento e recorde de desmatamento do cerrado no último ano das gestões locais.

No Maranhão, governado por Flávio Dino (PSB) entre 2015 e 2022, o desmatamento do cerrado atingiu 2.834 km² no ano passado (quase cinco vezes a área da capital São Luís), segundo dados do Prodes, formulados a partir de imagens de satélite do Inpe. O cálculo leva em conta o intervalo entre agosto do ano anterior (2021) e julho do ano corrente (2022).

Dino é ministro da Justiça e Segurança Pública desde 1º de janeiro de 2023.

O Maranhão liderou o desmatamento do cerrado, concentrando mais de um quarto de devastação no último ano. O aumento foi de 24% em relação ao período de 12 meses encerrado em julho de 2021, um recorde em dez anos.

A Bahia também teve um recorde de devastação em dez anos, segundo os dados do Inpe. Foram desmatados 1.428 km² entre agosto de 2021 e julho de 2022 (quase o dobro da área de Salvador), um incremento de 54% em relação ao mesmo período anterior.

O ministro da Casa Civil de Lula, Rui Costa (PT), governou a Bahia nos últimos oito anos.

No topo do desmatamento do cerrado está ainda o Piauí, com 1.189 km² desmatados de agosto de 2021 a julho de 2022 (quase a área de Teresina), mais do que o dobro do registrado no período anterior. Não havia um índice tão elevado desde o encerrado em 2014, conforme os dados do Inpe.

Atual ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias (PT) governou o Piauí por quatro mandatos, entre 2003 e 2010 e entre 2015 e 2022.

A reportagem enviou questionamentos aos três ministérios, mas não houve respostas.

O avanço do desmatamento no Maranhão, na Bahia e no Piauí confirma a manutenção da frente de devastação intensificada a partir de 2005, na região conhecida como Matopiba, que inclui ainda o Tocantins.

No estado da região Norte, também houve aumento da perda de vegetação em 2022. A perda do bioma no Tocantins foi de 2.128 km2 no ano passado, maior valor desde 2015, segundo os dados Inpe.

Esse arco de desmatamento do cerrado segue operante e até mesmo em ritmo crescente, como mostram os satélites do Inpe. O desmatamento em todo o bioma em 2022 chegou a 10.689 km², um aumento de 25,3% em relação ao período de 12 meses encerrado em julho de 2021.

No mandato de Jair Bolsonaro (PL), foram três aumentos sucessivos do desmatamento do bioma.

O combate a ilegalidades ambientais no cerrado é uma responsabilidade dos governos federal e estaduais. Como a quantidade de terras devolutas é menor do que na Amazônia, assim como de unidades de conservação e terras indígenas, a responsabilidade recai principalmente sobre os estados.

Agora no Executivo federal, os ex-governadores de Maranhão, Bahia e Piauí integram uma gestão que diz que vai aplicar o conceito de transversalidade para o tratamento dos assuntos de meio ambiente, com replicação da agenda em diferentes ministérios. Essa abordagem é um discurso reiterado de Marina Silva (Rede), ministra do Meio Ambiente.

Dino, como ministro da Justiça, prometeu um reforço de ações de combate ao desmatamento da Amazônia. A PF (Polícia Federal), subordinada ao ministro, passou a ter uma diretoria específica para Amazônia e meio ambiente, vinculada ao diretor-geral.

Costa, por sua vez, como ministro da Casa Civil, coordena e monitora as ações do governo. Ele é um defensor da ideia de transversalidade aplicada por Marina.

“Além da Amazônia, o cerrado é o bioma onde tem crescido o desmatamento. E a maior parte é conversão para soja e pecuária”, diz Julia Shimbo, coordenadora científica do MapBiomas, uma rede formada por ONGs e universidades para o mapeamento do uso do solo brasileiro. “Mais de 30% do desmatamento do país ocorre no cerrado.”

O bioma já perdeu metade de sua cobertura original, e a concentração do desmatamento ocorre na fronteira agrícola de Matopiba, um fenômeno que já não é recente e que perdura e se intensifica.

Shimbo afirma que os elevados índices de desmatamento do cerrado têm efeitos múltiplos, como conflitos em comunidades tradicionais, impactos na crise hídrica, alteração climática –com um bioma mais quente e mais seco– e impactos diretos na própria agricultura.

“No cerrado, há pouca terra devoluta como ocorre na Amazônia. A maior parte do desmatamento é em áreas privadas, e são frequentes grandes áreas desmatadas”, diz a pesquisadora. O enfraquecimento de órgãos de combate e controle do desmatamento e o incentivo oficial à agricultura de larga escala explicam o aumento da devastação, segundo Shimbo.

A reportagem analisou ainda os dados de desmatamento da Amazônia no Maranhão e da caatinga na Bahia e no Piauí. Houve reduções de desmate e estabilidade dos números durante os governos dos três ministros.

Em São Paulo, nos primeiros mandatos de Geraldo Alckmin (PSB), houve aumento do desmatamento da mata atlântica, mas os índices caíram nos mandatos seguintes. Alckmin é hoje vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio no governo Lula.

Os dados do Inpe mostram ainda redução e estabilidade do desmatamento da caatinga em Alagoas e Ceará nos períodos em que Renan Filho (MDB), ministro dos Transportes, e Camilo Santana (PT), ministro da Educação, foram governadores em seus respectivos estados –de 2015 a 2022.

O Prodes ainda mostra redução do desmatamento da Amazônia no Amapá, onde Waldez Góes (PDT), ministro da Integração e Desenvolvimento Regional, foi governador por quatro mandatos.

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