PEC para tirar Bolsa Família do teto ganha força como solução para Orçamento
Novo governo ainda não conta com uma base sólida de apoio no Congresso Nacional.
A opção de retirar toda a despesa com o Bolsa Família do teto de gastos ganhou força nas discussões conduzidas pela equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para solucionar a falta de espaço para diferentes despesas no Orçamento de 2023.
Segundo interlocutores ouvidos pela Folha, a saída é vista como a mais viável do ponto de vista técnico e político e tem “grande probabilidade” de ser a escolhida pelo novo governo. O petista ainda não conta com uma base sólida de apoio no Congresso Nacional, mas uma PEC (proposta de emenda à Constituição) com esse conteúdo dificilmente enfrentaria resistências.
Mesmo parlamentares do PP e Republicanos, partidos alinhados ao presidente Jair Bolsonaro (PL), dizem que o Congresso não votará contra uma proposta que prevê mais dinheiro para as famílias pobres. O custo político de rejeitar uma medida carimbada para ampliar a transferência de renda é considerado muito elevado.
Cálculos da transição indicam que a verba necessária para garantir o benefício mínimo de R$ 600 a partir de janeiro e o adicional de R$ 150 por criança até seis anos deve chegar a R$ 175 bilhões (considerando os R$ 105 bilhões já reservados na proposta orçamentária). Esse seria o valor a ficar de fora do teto de gastos (regra fiscal que limita o crescimento das despesas à variação da inflação) em 2023.
O valor pode ou não ser explicitado no texto da PEC, mas isso dependerá de uma decisão política.
O mercado financeiro tem cobrado da equipe de transição a definição de um valor máximo, pois isso daria maior previsibilidade em relação à trajetória das contas públicas. O temor de economistas é que a ausência de limite explícito sirva de brecha para continuar ampliando gastos depois o programa, com reajustes no benefício ou inclusão de mais famílias.
A equipe de Lula, por sua vez, tem argumentos contra a fixação de um valor na PEC, justamente porque o montante em termos nominais (sem considerar a inflação) pode ficar defasado com o passar do tempo, trazendo novos problemas à gestão das despesas públicas.
Essa perspectiva futura é considerada relevante porque a intenção inicial do novo governo é excluir o Bolsa Família do teto de gastos de forma permanente.
A medida não é um endosso do PT ao teto de gastos, mas serviria para dar mais tempo ao time de Lula para discutir uma revisão estrutural das regras fiscais, tarefa que não será trivial e demandará uma série de análises técnicas e apoio político no Congresso. Sem isso, um novo risco de aperto poderia surgir já em abril de 2023, quando é preciso encaminhar o projeto de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024.
A exclusão permanente do Bolsa Família do teto de gastos, porém, não foi bem recebida entre integrantes da CMO (Comissão Mista de Orçamento). Membros do colegiado alertaram o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), sobre os riscos e recomendaram estipular um prazo para a exceção, que poderia ser de um ano ou até de quatro anos (período do mandato presidencial).
A avaliação entre os membros da comissão é que a retirada permanente de alguma despesa do teto de gastos pode repercutir mal no mercado financeiro, num momento em que o governo eleito ainda busca inspirar confiança e credibilidade entre os investidores. O tema foi discutido em reunião na noite de terça-feira (8).
Ao excluir o Bolsa Família do alcance do teto de gastos, ficam liberados R$ 105,7 bilhões hoje reservados ao programa na proposta de Orçamento. O dinheiro pode ser redistribuído para ações que precisam de recursos para 2023, como Farmácia Popular, aumento real do salário mínimo, ações de saúde, educação e obras públicas.
Auxiliares petistas dizem que essa alternativa seria mais simples de ser explicada aos parlamentares.
Do ponto de vista técnico, a medida também é considerada a mais factível, uma vez que requer a exclusão de uma única despesa. A alternativa seria abrir uma exceção para recursos adicionais direcionados a uma série de políticas, que precisariam ser discriminadas no texto da PEC —uma opção muito mais complexa e que poderia engessar a gestão do Orçamento futuramente.
Outro argumento é que o PT quer ampliar despesas que dificilmente poderiam ficar fora do teto de gastos, como o aumento real (acima da inflação) para o salário mínimo. Seria difícil deixar uma parcela da despesa dentro do teto e outra fora do alcance da regra.
Apesar do alívio em 2023, há uma preocupação com o futuro do Orçamento em 2024. Mesmo com o Bolsa Família fora do teto, o espaço das demais despesas pode voltar a ficar apertado devido à forma de correção prevista pela regra.
Para o ano que vem, o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI), já adiantou à Folha que vai manter a expansão de 7,2% no limite, refletindo a projeção para o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em agosto, apesar de uma expectativa atual menor para a inflação.
Essa decisão proporciona um ganho de cerca de R$ 30 bilhões em 2023, mas, pelas regras atuais, precisa ser compensado no ano seguinte —ou seja, vira um aperto do mesmo tamanho. Técnicos estudam como absorver esse impacto na PEC.
Em seu primeiro encontro com a cúpula dos Poderes após sua eleição, Lula tratou da PEC da Transição. Segundo aliados do petista, ele já deixou claro que pretende buscar “a saída da política” para o Orçamento de 2023, indicando que não pretende recorrer ao “plano B” sugerido pelo TCU (Tribunal de Contas da União), usando créditos extraordinários por MP (medida provisória), sem necessidade de aval prévio do Congresso.
Em uma das reuniões, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deu demonstrações de que considera a PEC a via mais segura do ponto de vista jurídico. A proposta deve inclusive iniciar a tramitação no Senado, onde Pacheco tem indicado que dará tramitação acelerada e apoio à proposta.
O relator-geral do Orçamento aposta em votação unânime a favor da PEC justamente por se tratar de uma proposta para garantir a continuidade do Bolsa Família de R$ 600. Castro também é cotado como relator da alteração constitucional.
REFORMA TRIBUTÁRIA É UMA DAS PRIORIDADES, DIZ PERSIO ARIDA
Enquanto tenta solucionar o Orçamento de 2023, a equipe de transição já sinaliza quais os passos seguintes do governo Lula. O economista Persio Arida, um dos quatro coordenadores da área econômica, afirmou nesta quarta-feira (9) que a reforma tributária deve estar entre as prioridades.
Ele citou especificamente a proposta de criação de um imposto único, chamado IVA (Imposto sobre o Valor Agregado), a ser formado a partir da fusão de outros tributos, dizendo que o debate sobre o tema está amadurecido.
“Deve ser prioridade no próximo governo, o que é ótima notícia”, afirmou em seminário promovido pela Câmara de Comércio França-Brasil.
Para ele, a iniciativa facilitaria o ganho de produtividade se combinada com uma maior abertura da economia para o comércio internacional. Tributos mais eficientes também ajudariam a reindustrializar o país, afirmou.
Arida também chamou atenção para a necessidade de responsabilidade fiscal e fez um alerta para que o Brasil não cometa erros de política econômica logo no começo, citando como exemplo o curto governo de Liz Truss no Reino Unido –encerrado no mês passado após a adoção de um pacote econômico (com amplo corte de impostos) considerado inapropriado para o momento vivido pela economia britânica.
“Não se pode queimar a largada, ou seja, começar com algo percebido como desastroso”, disse. “A Inglaterra nos faz um alerta: não queimar a largada”, afirmou.
Arida disse que o Brasil vem de uma política fiscal longe de ser contracionista e tem um teto de gastos que vem sendo furado. “A preocupação maior é o risco de o novo governo enfrentar o que se passou na Grã-Bretanha”.